23 de novembro de 2010

Um tratado sobre a histeria

É noite e mais uma vez a varanda é meu refúgio. Não porque me incomoda a solidão e o silêncio da casa, porque hoje é exatamente assim que Bloco de textoeu gostaria de estar: sozinha, com a cabeça borbulhando pensamentos.
Será verdade isso de que as pessoas mudam? Que mudam sua forma de pensar, agir? Biologicamente isso é perfeitamente possível com todas aquelas explicações sobre adaptação, seleção natural. Assim, as mutações seriam perfeitamente viáveis, na verdade, necessárias para a perfeita adaptação ao meio.
A verdade é que não entendo nada de biologia, mas compreendo que eu mudei... tão certo que mudei que ontem mesmo me incomodava profundamente a solidão, enquanto hoje agradeço silenciosamente por ela, por não ter que fingir sorrisos ou aturara conversas enfadonhas.
Mas uma mudança muito mais profunda vai se operando em mim, dia após dia, num exercício cotidiano de "adaptação" a doença incurável que se alojou em mim. E ainda há quem acredite que que não há males que vem para o bem.
O primeiro passo disso tudo é a negação: você não quer acreditar/aceitar que está infectado por aquele flagelo da... histeria. Imagine que você esteja há muitos anos tentando andar com as próprias pernas, aprendendo a respirar enquanto todos os seus sentidos entram em colapso, bravamente resistindo ao conflito entre a razão e os sentimentos, que te fazem confundir a realidade posta, com a realidade hipotética.
E se a batalha diária para não se deixar cair no abismo acaba com uma simples constatação: que você já está nele, caindo, afundando e perdido. Este é aquele momento em que os médicos te desenganam e tudo que lhe resta é fechar os olhos e rezar: que eu não sinta dor ao final.
Depois de constatar o inevitável dois podem ser os caminhos: acelerar a queda ou retardá-la. Há quem faça um pouco dos dois...
O que há ao final da doença incurável? A morte. Não há escapatória, senão através de um milagre ou de um avanço sem precedentes da medicina. Então se no final do abismo, tudo que resta é se estatelar em milhões de pedaços, que seja breve. Então você fecha os olhos e acelera a queda, se entrega a intensidade das sensações, que mesmo fugazes e findas lhe satisfazem como nunca nenhuma outra satisfez. E voi-la! Você no fundo do abismo, em centenas de pedaços. No dia seguinte se perguntarão: o que será que ele sentiu quando seu crânio foi comprimido pelo chão áspero!?
Aos menos corajosos restará a tentativa vã de se agarrar a algum galho, pedra, ou qualquer coisa que lhe retarde a queda... - mas isso de coragem temos que discutir numa outra ocasião, porque é bem verdade que coragem, as vezes, se assemelha a burrice e covardia, a prudência...
Sim, mas falava daqueles que se agarram a doses homeopáticas de emplastos que não agem senão nas suas próprias consciências num movimento reverso de... desengano. Estes são os que não se entregam tão facilmente, que insistem em lutar contra o inevitável acreditando cegamente numa possibilidade de "cura". Dois caminhos restam a estas pobres criaturas: morrer tentando, cansar e se permitir, mesmo já bem perto do fim.
Dessa segunda hipótese é que nasce o terceiro passo, para aqueles que não morrem tentando, restará a "revelação", aquele momento muito perto do fim em que tudo lhe parece extremamente claro e simples, onde se percebe que entregar-se não tem nada a ver com escravizar, que compartilhar não significa dar tudo, tampouco apenas receber, mas especialmente uma troca constante onde se dar o que pode e recebe o que puder aguentar. Percebe, ainda, que a lealdade não é sinônimo de fidelidade e que confiança não se constrói de promessas feitas e cumpridas, mas de atos realizados, nunca prometidos, cobrados ou barganhados... Se descobríssemos isso a tempo quase não precisaríamos nos preocupar com a "queda" porque viveríamos num estado suspenso, etéreo, da mais extrema "realidade", com todos aqueles sentimentos te inundando na medida certa e se esvaindo no momento exato.
O problema é que a descoberta quase sempre vem tarde demais e se você ainda não se esborrachou, está bem perto disso e são muito poucas pessoas que conseguem mudar a tempo. Sim, mudar, se adaptar ao abismo e doença incurável, se acostumar com o inevitável, assimilar e compreender a "revelação".
Não sei exatamente se no meu caso tem abismo, mentira! Tem abismo, doença, sensações superdimensionadas. A minha única certeza: o fim, meu ou da doença, o fim. Forçoso as coisas perecerem, elas mudam ou se transformam... o que seja!
A assimilação é um exercício diário, um controle sobrehumano de pensamentos e sentimentos em busca da medida exata, para aprender a conviver com o inevitável, o incurável que não tem nada de IN, a não ser a forma irracional com a qual as vezes insistimos em encará-las.



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