21 de junho de 2009 3 comentários

O mundo continua o mesmo




As pessoas, como formigas, atrapalhadas entram no ônibus e rapidamente vão ocupando os assentos enquanto as outras, apressadas por descansarem a bunda, vêem todas as suas chances de uma viagem mais tranqüila indo por ladeira abaixo. Vai-se em pé, apertado, sendo “acoxado”, meio de lado, ou quase caindo. É tal de fungado na nuca, sem excitação ou palavras bonitas, mas há até quem goste do hálito de hortelã (com a pastilha comprada ali mesmo) que acidentalmente toca a pele que àquela hora já carece de outro banho.

E é uma profusão de pensamentos dentro daquela caixa metálica, que passam mais rápido que as paisagens decoradas que ficam pra trás e que vem logo ali. E pensa-se que o dia foi ruim, que o companheiro fede, ou é feio, ou até daria um bom companheiro. Pensa-se no discurso que vai ouvir ao chegar. No discurso que fará ao partir. Pensa-se em um novo emprego, no namoro desmantelado, nas unhas por fazer.

O idoso recusa o assento, recusa a velhice, o cansaço. Enquanto o muleque abre mais as pernas e se acomoda ainda mais no assento, enquanto o vôvo vai de lá pra cá, de curva em curva. A criança chora porque quer ir sentada, uma mãe envergonha-se, tenta explicar que não dá. Outra mãe rapidamente olha para o lado para ver se alguém ouviu o apelo da criança, que também é o dela, mas ninguém precisa saber. Enquanto a uma agradece, ainda envergonhada, a senhora que se ofereceu para levar a criança, a outra mal agradece o senhor, que mesmo cansado cede o assento para mãe e filho, senta apressado, ralha com a criança a viagem inteira, reclama do cansaço, da falta de espaço, do trânsito, da demora, reclama, reclama, reclama

Enquanto isso o moço dorme, sonha com um carro e dinheiro para gasolina, bate com cabeça no vidro, acorda espantado três paradas depois da sua. Levanta apressado, pede parada implorando para que o motorista pare logo, mas ele só pára dali a meio chão. Dormiu no ponto, perdeu o ponto, foi caminhando para casa enquanto lembrava do dizer da mãe, de que pobre não tem sorte.

Na parada lotada, a chuva emporcalha e desmancha a produção da mona. E meia dúzia pede parada e o motorista, com um humor indefinido, nem pára. E é mais meia hora de espera e é menos meia dúzia pra deixar em casa, a ralhar no ouvido do pobre homem que queria descer ali, que tem poça aqui, que queria ser deixado em casa.

O mundo continua o mesmo, de parada em parada, cobrador te lembrando do troco. É é o pouco espaço, as leis da física, o mau humor, o novo amor, tudo junto na caixa metálica, que te leva pra casa, que te traz, que te leva pro mundo, que continua o mesmo.
2 de junho de 2009 2 comentários

Da janela



O céu vermelho anuncia a chuva noturna. Cansadas as pessoas voltam para casa, fecham suas portas e dão inicio ao seu velho ritual. Elas mal se falam e é uma tal de dor de cabeça ou o mal comportamento do menor. E quando ele só quer descansar ela fala... E fala sobre estar gorda... E fala da vizinha que largou o marido... E fala da casa q precisa de reforma... E ralha com ele por estar todo sujo... E reclama que ele não lhe dá atenção.

Do outro lado da rua ele senta no bar pela terceira vez... Ele esqueceu onde mora... Esqueceu o dinheiro da pinga... Esqueceu do banho... Esqueceu de ir para o trabalho... Só a dor de amor que ela ainda não esqueceu...

Na outra rua ele ensina a lição para as crianças enquanto ela faz o jantar. Ele pensa no divórcio, ela em traição. A comida está pronta e todos comem em silêncio. As crianças pensam que querem batata-frita, ele pensa nas contas a pagar, ela pensa que quer ir ao cabeleireiro... Nenhuma palavra.

Isso tudo enquanto aquele sujeito franzino espera na parada... Uns dizem que ele espera para assaltar... Outros dizem que ele espera para morrer... Mas ele só espera o último ônibus para começar a trabalhar....

Ainda há quem não tem casa, nem preocupações... Há quem passe o dia dormindo... Há quem fume na escada do prédio... Há quem saia para passear... Há quem não ande correndo... Há, ainda, quem escreva bobagens no meio da noite.


 
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