De todas as musas,
Tu foste a única que me levou a vontade de viver.
Me levou as palavras,
O arranjo imperfeitamente perfeito que conseguia dar a elas;
A astúcia das idéias, a insinuação das possibilidades.
Levaste tudo contigo, da mesma maneira que trouxe,
Como um sopro, feito uma feiticeira.
De todas as feiticeiras,
Tu foste a que mais me encantaste.
Sim, pois bastava uma palavra tua para que toda mágica se fizesse,
Os dias ruins ficavam bons como mágica
E era uma alegria quase alada.
Uma palavra, ou três
Como um sibilar, como uma cobra.
De todas as cobras,
Tu foste a que me feriu mais profundamente
E tua picada, tão silenciosa como mortal
Depositou aos poucos, eficazmente,
O veneno em minha alma
Perigosamente tentadora e irresistível
Como um vício, como um fantasma.
De todos os fantasmas
Tu foste aquele que persistiu em me atormentar
Vagando pelos quartos escuros e vazios
Daquela mesma alma que morre,
Silenciosamente envenenada.
Assim como morre em mim, o poeta,
Que morre por palavras não ditas
Por arranjos mal feitos
Por sonhos e lembranças calados.
Morre o poema,por fim,
Por falta de rima, ou por falta de amor.
Ah saudade...
Da galinha cozida dos sábados
Dos cochilos de fim de domingo, na rede do quintal
Ah saudade...
Das conversas despretensiosas ao pé da escada
De juntar os trocados para comprar um vinho barato
De brindar com copo descartável e achar um máximo
Ah saudade...
De ouvir os amigos em seus desabafos de amor,
Por amor, com amor
De ouvir você falando e pensar:
Ah! Como daríamos um casal perfeito
Ah saudade...
Das cartas trocadas
Dos poemas, das lágrimas, daquele sorriso de lado, do meu amigo poeta.
Ah saudade...
Dos nossos infinitos e débeis jogos
Das nostálgicas mas divertidíssimas corridas
Saudade do olhar, quase transparente de tão claro,
A esperar por respostas, aflito.
Saudade do cabelo a lhe cobrir os olhos
Dos dedos sujos de giz.
Ah saudade...
Do olhar perdido e sorriso franco
Da despreocupação quase infantil de minha amiga
De nossos tragos as escondidas
Ah brother! Saudade de sentar com você
Em uma calçada qualquer e dividir segredos
Ah saudade...
De me aborrecer com sua falta de seriedade
Para depois ter de me render ao seu humor
Ter pena de você e me desesperar por nada poder fazer
De ter orgulho de você, dando a volta por cima
Enganando a todas com um falso sorriso
Quase se enganando com um raso sentimento
Ah saudade....
De nossas análises e preocupações
De sua doce prepotência
De sua oratória e atuação perfeitas,
Capazes de convencer até um pedaço de pau
Saudade de seu descontrole e daquela sua cara de
“Está tudo bem...”
Saudade de você mordendo o lábio de aflição
Xingando, chorando, ou quase impávida
Impenetrável
Ah saudade...
De minha quase amiga e sua excessiva humanidade
De como tudo e todos lhe afetam
E de como sente na pele, na barriga, na cabeça.... no corpo...
Saudade de dividir aflições, do sorriso com os olhos,
Do abraço grande, das sobrancelhas arqueadas
Ah saudade...
Das visitas inesperadas
Do cumprimento suado
De falar de mulheres, suas artimanhas, nossas estratégias
Saudade do tapinha nas costas
E daquela cara de: “Fudeu!”
Saudade de dividir problemas, loucuras, sonhos
Ah saudade
Da casa quase nunca silenciosa
Do meu cd de Chico Buarque
Das reuniões
Das conversas de pai para filha
Das repreensões de irmã para irmã
Saudade até de sentir saudade
Saudade de querer ver o mundo
Porque já estou nele...