20 de setembro de 2008 2 comentários

Reflexo: quem sabe um poquinho de sorte

Sorte nunca foi minha palavra... para começar minha mãe morreu logo q eu nasci. Meu pai coitado era um homem simples e todo sem jeito para criar uma menina. Aos cinco anos eu já cuidava da casa e dele. Entrei na escola já muito tarde e depois de uma batalha para que meu pai deixasse. Gostava de ir pra escola, mas como meu pai nunca me deixava sair, não tinha amigos e passava a maior parte do tempo calada e sozinha.
Mas até aí nada demais, lembro que uma vez me apaixonei por um garoto q ficava no outro canto da sala, igualmente calado e sozinho como eu. Trocamos olhares e sorrisinho por um mês, um dia decidi que falaria com ele, mas quando cheguei na sala ele não estava, nem no dia seguinte. No terceiro dia a diretora veio avisar que ele havia morrido. Eu chorei bastante, nem conhecia o menino, mas fiquei muito triste. Algum tempo depois, as coisas não mudaram muito, exceto que agora estava justamente encantada pelo menino mais bonito e popular da escola, sabia que era um amor impossível. Mas para minha surpresa ele veio até mim e começou a conversar, no fim da aula me convidou para ir até uma pracinha ali perto comigo, chegando lá ele me beijou e quis colocar a mão onde não devia, sai correndo dali. No dia seguinte todos me olhavam feio na escola, e depois ainda me xingaram de nomes que nunca havia ouvido (mas que ouviria para sempre), bom esse menino não morreu, lembrem-se de que não tenho sorte.
Logo depois essas palavras chegaram aos ouvidos de meu pai, pela primeira vez eu o vi com raiva, gritou bastante comigo e até chegou a me bater. Como se não bastasse no dia seguinte quando já estava na porta de casa, passava do meu lado um garoto cabisbaixo e eu fiquei lá, estática. Era quase que como se eu tivesse fora do corpo olhando para mim mesma, pelo menos uma versão masculina de mim. E assim, não sei por que diabos disse “oi”, ele parou e me observou, quando começou a esboçar um sorriso, meu pai sai de dentro de casa e sem falar nada me arrasta para dentro de casa. Nos mudamos ainda naquele dia.
A minha fama de fácil e “puta” foi junto conosco, e olha que aquela altura mesmo já com meus 25 anos de idade, nunca tinha me deitado com ninguém. No dia que contei isso para o meu pai, só vi que um sorriso se esboçou em seu rosto antes dele ter um ataque fulminante do coração.
Mais um que a morte me tirou. Morava na cidade, uma casinha encardida de dois cômodos e por sorte arrumei trabalho num velho hotel. 33 andares, os quais eu e mais umas 10 moças tínhamos de limpar todos os dias. Escadas, quartos fedido, hóspedes que tinham convicção de minha vida de puta.
E depois de mais um dia de pernas doídas de tanto subir e descer escadas, sai do hotel a fim de voltar pra casa e me jogar na cama pra nunca mais acordar. Fiquei parada ali na calçada do hotel, estática, e minha vida toda passando pela minha cabeça como um filme: "Deus que vida? Que castigo cometi?"
POW! Um barulho imenso e ali, a menos de meio metro de mim, o corpo de um moço havia caído, todo torto e sangue que começava a manchar a calçada, e qual não foi a minha surpresa em reconhecer aquele que era meu reflexo, o menino do “oi”, e a multidão foi se juntando, e eu fiquei lá estática, vendo seus olhos se fecharem e pedindo intimamente um pouquinho de sorte.
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33 andares


33 andares. Acredito que seja suficiente para um suicida atingir seu objetivo. Só um maldito milagre o impediria de morrer. E adivinha quem é o suicida dessa vez? Isso mesmo! Eu. Assim que terminar esse papo com você, meu interlocutor imaginário, vou me esborrachar no chão e morrer. Não precisa gastar seu latim, explicando que a esperança é a última que morre, que tudo pode melhorar e blá, blá, blá. Eu já pulei. Não tem mais volta.
Essa coisa que chamo de minha vida foi um tormento. Nasci sem habilidade alguma. Lembro que quando era garoto sempre quis jogar futebol. A turma sempre me escalava como gandula e depois reclamavam, dizendo que eu era muito lento. Minha mãe, então, me levou em uma escola de arte. Minhas pinturas eram comparadas aos desenhos rústicos dos homens das cavernas. Uma escultura que fiz foi até útil. Virou o espantalho da nossa hortinha.
Quando cresci, as coisas pioraram. Repeti três vezes os três anos do Ensino Médio. Aliás, me formei por que os professores tiveram pena de mim. Resolvi, então, tentar a vida na capital. O único emprego que consegui foi o de servente em um restaurante enorme, parada praticamente obrigatória para os caminhoneiros e viajantes que passavam pela cidade. O sanitário sempre entupia. Minha rotina era essa: Casa. Trabalho. Esfregão. Banheiro limpinho. Cliente porquinho. Esfregão. Esfregão. Esfregão. Dinheiro pouquinho. Trabalho de montão.
Como você já certamente deduziu, também nunca fui muito bom com romances. Me lembro que quando era adolescente, me apaixonei por seis meninas. A primeira fez questão de dizer que me desprezava. A segunda nunca percebeu que eu existia, mesmo sendo minha vizinha e estudando na mesma sala que eu por quatro anos. A terceira e a quarta eram legais, gentis, educadas. Descobriram que se amavam e passaram a morar juntas. A quinta... Ai, a quinta! Era a mais bonita de todas. Disse-me um “oi” tão lânguido um dia. O pai dela viu e eles se mudaram na semana seguinte. E a sexta foi a primeira menina que eu beijei. Foi ótimo. Super especial. Pena que logo depois os três namorados dela me deram uma surra inesquecível.
Aqui na capital, ninguém nunca sequer olhou para mim. Mal sabem meu nome. Meu chefe, por exemplo, sempre que vai reclamar de algum sanitário sujo, tem que ler o meu crachá (o que leva horas, pois ele tem uma miopia terrível). Minha senhoria só me reconhece nas noites de sexta, quando tenho que acertar o aluguel do cômodo.
Encurtando a história, pois o chão está chegando, hoje fui demitido por que cheguei de ressaca no emprego. Bebi demais na noite passado, tentando esquecer a imagem da mulher que aceitou sair comigo, mas que acabou se encontrando com outro cara no bar onde eu a esperava. Resolvi, então, que já era hora de dar um basta em tudo isso. Encurtar a reta entre o ponto inicial e o final da vida.
... .... ....
Ai! Que coisa! Não é um esporte saudável cair de um prédio de 33 andares. Agora tenho certeza que sou um inútil mesmo. Não consigo nem me matar. Mas acho que estou quase lá. Devo ter quebrado algumas coisas importantes. Hum... Lembra da menina do “oi”? É, caí na frente dela. Deve estar em estado de choque, pois ela não mexe um músculo. Será que se não me encontrasse nessas condições, ela falaria comigo novamente?
Droga de dúvida! No último momento da minha vida... Sinto que meus olhos estão ficando pesados. Ela continua estática ali e uma multidão de curiosos já está ao lado dela. Será que ela diria outro “oi” tão sensual como aquele? Dúvida sem jeito. Sabe, interlocutor imaginário, começo a desejar aquele milagre.


Vadjab Gundag (também conhecido como Gustavo Samuel)
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Ao amigo distante

As palavras aproximam as pessoas, até mais do que gostaríamos às vezes, mas não é esse o post...
Porque eu só tenho que agradecer o amigo que as palavras me trouxe:Vadjab Gundag (também conhecido como Gustavo Samuel), o moço mais incrivel que já tive a oportunidade de conhecer...
Gustavo, dorme e acorda com as palavras, brinca com as palavras, às vezes até briga... enfim, não conheço outra pessoa que saiba tão bem manuseá-las...
Aproveito então para agradecer todas as palavras trocadas, todas as vezes que o Gu foi meu ombro, as cachaçadas nos bares da vida, nossas discussões pseudo-filosóficas, o amor pela revolução...
Meu caro amigo, agradeço por poder chamá-lo assim, e com a tua permissão publico aqui um de teus textos, e logo depois um meu, em uma tentativa de resposta ao seu... Ei, ainda não desisti da idéia de continuar essa loucura...
Abraços meu caro.
14 de setembro de 2008 0 comentários

Distantes... palavras...

Sempre tive dificuldades em escolher nome do quer que seja e dessa vez não foi muito diferente...
No entanto, logo que pediram um título me vieram essas duas palavras, ficando o meu "eu" e meu "eu mesmo" brigando pela ordem mais adequada de apresentá-las...
Eis os argumentos:
"eu" : oras, esteticamente é muito mais adequado "Palavras distantes..."

"eu mesmo": e quem se importa com a estética? O importante é significados, conteúdo... e "Palavras distantes..." só significa palavras que estão longe... e longe do que afinal?

"eu" : longe de tudo... longe inclusive de qualquer significado... longe de quem as lê... longe até de quem as escreve... longe da realidade... longe dos sonhos... longe da normalidade... longe da insanidade... E me diga, que tanto significado pode haver em "Distantes... palavras" ???

"eu mesmo": Muito mais do que muitos podem imaginar... Longe incluisve uma da outra... as palavras... tem significado juntas: significando tudo isso ae que vc disse a respeito do "longe". E têm significado separadas... Sim, porque separadas... elas estão distantes... e quem afinal estará distante de quem? Ou será eu que estarei distante de "eu mesmo", porque simplesmente as palavras estão distantes demais?
Mais do que palavras... há várias outras coisas distantes, que aqui encontrarão ou não.... palavras...

"eu": e ainda tenho o que dizer diante da pseudo-inteligência de "eu mesmo"?
 
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