1 de maio de 2011

O que a chuva traz, a chuva leva.





O que a chuva traz, a chuva leva.

Para a menina do outro lado da rua, mais uma confissão.

Chovia muito, mas dentro de mim era como se o céu estivesse azul e o sol com aquele brilho de sete da manhã. Eu me abrigava debaixo de um daqueles toldos de uma loja qualquer quando ela se pôs ao meu lado, ainda ofegante pela corrida que certamente fizera até ali. Enquanto ela se ocupava em verificar o estrago que água fizera a suas roupas e ao seu cabelo, eu me embevecia silenciosamente com a sua presença sentindo um quase prazer pelo alarde que meu corpo fazia só por tê-la por perto. Segundos antes de ela virar em minha direção, e me reconhecer, seu cheiro me invadiu como cheiro de café ao amanhecer, como que me convidado a tragá-la, e foi inevitável que o sorriso no meu rosto se alargasse.

- Não acredito que te encontro logo aqui! - ela exclamou surpresa.

- A chuva te trouxe pra mim. – fiz uma metáfora que prontamente ela ignorou.

- Sumistes. Não tem mais tempo para uma amiga? - rebateu queixosa.

- Pra você? Sempre. - falei com convicção.

- Percebo, toda vez que tento falar contigo. – ela e a costumeira ironia.

- Oh, minha querida, é o destino que teima em nos separar. – falei quase como um suspiro.

Ela nada disse, mas fez o já conhecido gesto de levantar uma das sobrancelhas, me dizendo silenciosamente que das coisas impossíveis ela já era escolada, mas que aquilo era desculpa pseudo-poética para o meu distanciamento.

- Eu sei, é saudade. – eu continuava a falar como um personagem de um livro não escrito. – Mas é como diz aquela música “Quero que saibas, que me lembro. Queria até que pudesses me ver. És parte ainda do que me faz forte, e pra ser honesto só um pouquinho infeliz.”

Por um instante o ar severo que até agora ela sustentava se desfez, ela queria sorrir, aquele sorriso amargo e triste, do qual me lembrava bem, que queria dizer “nunca poderia te dar o que queres”, mas como se tivesse acabado de lembrar do porque de nosso distanciamento, seu olhar se aprofundou sobre objeto qualquer atrás de mim e eu já sabia que tinha acabado de perdê-la, de novo. Mesmo assim, com aquela calma que me fazia ter a sensação de estar levitando e que nada, nada mesmo, pudesse me atingir, continuei:

- Ou como diz aquela outra: tenho um mundo inteiro pra salvar e pensar em você é kriptonita.

- É, Ludov. – ela balbuciou.

Pensei que aquele seria o momento de dizer o quanto a amava, mas que esse sentimento vinha me machucando a ponto de eu ter que morrer um pouquinho mais, a cada dia, só para estar do seu lado, e que antes que não restasse mais nada eu precisava juntar os meus pedaços e tentar me (re) compor, mas falar aquilo só nos machucaria ainda mais porque eu jamais saberia lhe explicar porque me rasguei no meio para de alguma forma “tê-la”, quando ela fez de tudo para evitar justamente isso.

- É melhor assim! – pensei alto. Era uma confissão que fazia a mim mesma, querendo que ela escutasse.

- O que? – ela perguntou curiosa.

- Longe.

Outra vez a expressão mudou, era como se ela acabasse de ser atingida por um iceberg. Notei que entrara num terreno perigoso, já sabendo onde ele iria dar, e logo desisti de verbalizar sentimentos e resolvi que simplesmente perguntaria sobre ela, mas antes que eu pudesse proferir o clichê “mas e você, como vai?”, ela me disse com o ar distante:

- Esquece, te cuida ai. Um dia te chamo para fumar um cigarro.

E correu. Dessa vez em direção a chuva e, quanto mais ela sumia, sendo carregada pela água, mais a calma se alojava em mim. Pensei comigo “tem certas coisas que era melhor nunca sabermos”. O cheiro dela ainda continuava lá e aquilo aqueceu meu coração, como sempre acontecia, e eu pensei de novo: “tem certas coisas que não se pode viver sem sentir”. Acendi um cigarro e sorri. O que a chuva traz, a chuva leva.

3 comentários:

Fóssil disse...

Sabe, não vamos longe se continuarmos trocando o processo civil pela literatura! xD

Não sei se o que a chuva traz a chuva leva. Prefiro não acreditar nisso, não mesmo. Depende do que a chuva trouxer. Às vezes ela derruba montanhas e essas não têm como sair do lugar, por mais que às vezes mudem de forma.

Mas o fato é que às vezes o que parecia pedra é só papel. Aí vai-se embora com qualquer chuvisco.

Importa é que a chuva leve o que tem de ruim, e algo de bom virá com ela, ou depois dela, ou em algum tempo, fará tempo bom. Seja esse tempo qual for.

Dy disse...

De repente a chuva leva apenas o que não tem peso, quem sabe!?

Uma provocação.

Fóssil disse...

Sim, foi o que eu pensei :)

Iiih, e tu é besta, é? Comentário foi aquele? xD Só preu ficar me achando!

 
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