20 de setembro de 2008

33 andares


33 andares. Acredito que seja suficiente para um suicida atingir seu objetivo. Só um maldito milagre o impediria de morrer. E adivinha quem é o suicida dessa vez? Isso mesmo! Eu. Assim que terminar esse papo com você, meu interlocutor imaginário, vou me esborrachar no chão e morrer. Não precisa gastar seu latim, explicando que a esperança é a última que morre, que tudo pode melhorar e blá, blá, blá. Eu já pulei. Não tem mais volta.
Essa coisa que chamo de minha vida foi um tormento. Nasci sem habilidade alguma. Lembro que quando era garoto sempre quis jogar futebol. A turma sempre me escalava como gandula e depois reclamavam, dizendo que eu era muito lento. Minha mãe, então, me levou em uma escola de arte. Minhas pinturas eram comparadas aos desenhos rústicos dos homens das cavernas. Uma escultura que fiz foi até útil. Virou o espantalho da nossa hortinha.
Quando cresci, as coisas pioraram. Repeti três vezes os três anos do Ensino Médio. Aliás, me formei por que os professores tiveram pena de mim. Resolvi, então, tentar a vida na capital. O único emprego que consegui foi o de servente em um restaurante enorme, parada praticamente obrigatória para os caminhoneiros e viajantes que passavam pela cidade. O sanitário sempre entupia. Minha rotina era essa: Casa. Trabalho. Esfregão. Banheiro limpinho. Cliente porquinho. Esfregão. Esfregão. Esfregão. Dinheiro pouquinho. Trabalho de montão.
Como você já certamente deduziu, também nunca fui muito bom com romances. Me lembro que quando era adolescente, me apaixonei por seis meninas. A primeira fez questão de dizer que me desprezava. A segunda nunca percebeu que eu existia, mesmo sendo minha vizinha e estudando na mesma sala que eu por quatro anos. A terceira e a quarta eram legais, gentis, educadas. Descobriram que se amavam e passaram a morar juntas. A quinta... Ai, a quinta! Era a mais bonita de todas. Disse-me um “oi” tão lânguido um dia. O pai dela viu e eles se mudaram na semana seguinte. E a sexta foi a primeira menina que eu beijei. Foi ótimo. Super especial. Pena que logo depois os três namorados dela me deram uma surra inesquecível.
Aqui na capital, ninguém nunca sequer olhou para mim. Mal sabem meu nome. Meu chefe, por exemplo, sempre que vai reclamar de algum sanitário sujo, tem que ler o meu crachá (o que leva horas, pois ele tem uma miopia terrível). Minha senhoria só me reconhece nas noites de sexta, quando tenho que acertar o aluguel do cômodo.
Encurtando a história, pois o chão está chegando, hoje fui demitido por que cheguei de ressaca no emprego. Bebi demais na noite passado, tentando esquecer a imagem da mulher que aceitou sair comigo, mas que acabou se encontrando com outro cara no bar onde eu a esperava. Resolvi, então, que já era hora de dar um basta em tudo isso. Encurtar a reta entre o ponto inicial e o final da vida.
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Ai! Que coisa! Não é um esporte saudável cair de um prédio de 33 andares. Agora tenho certeza que sou um inútil mesmo. Não consigo nem me matar. Mas acho que estou quase lá. Devo ter quebrado algumas coisas importantes. Hum... Lembra da menina do “oi”? É, caí na frente dela. Deve estar em estado de choque, pois ela não mexe um músculo. Será que se não me encontrasse nessas condições, ela falaria comigo novamente?
Droga de dúvida! No último momento da minha vida... Sinto que meus olhos estão ficando pesados. Ela continua estática ali e uma multidão de curiosos já está ao lado dela. Será que ela diria outro “oi” tão sensual como aquele? Dúvida sem jeito. Sabe, interlocutor imaginário, começo a desejar aquele milagre.


Vadjab Gundag (também conhecido como Gustavo Samuel)

1 comentários:

Fóssil disse...

Excelente... desde a ironia até o drama. Parabéns ao autor =]

 
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