15 de março de 2009 5 comentários

Elegia a um demônio





De todas as musas,
Tu foste a única que me levou a vontade de viver.
Me levou as palavras,
O arranjo imperfeitamente perfeito que conseguia dar a elas;
A astúcia das idéias, a insinuação das possibilidades.
Levaste tudo contigo, da mesma maneira que trouxe,
Como um sopro, feito uma feiticeira.

De todas as feiticeiras,
Tu foste a que mais me encantaste.
Sim, pois bastava uma palavra tua para que toda mágica se fizesse,
Os dias ruins ficavam bons como mágica
E era uma alegria quase alada.
Uma palavra, ou três
Como um sibilar, como uma cobra.

De todas as cobras,
Tu foste a que me feriu mais profundamente
E tua picada, tão silenciosa como mortal
Depositou aos poucos, eficazmente,
O veneno em minha alma
Perigosamente tentadora e irresistível
Como um vício, como um fantasma.

De todos os fantasmas
Tu foste aquele que persistiu em me atormentar
Vagando pelos quartos escuros e vazios
Daquela mesma alma que morre,
Silenciosamente envenenada.

Assim como morre em mim, o poeta,
Que morre por palavras não ditas
Por arranjos mal feitos
Por sonhos e lembranças calados.
Morre o poema,por fim,
Por falta de rima, ou por falta de amor.
1 de março de 2009 2 comentários

Saudade


Ah saudade...

Da galinha cozida dos sábados

Dos cochilos de fim de domingo, na rede do quintal

Ah saudade...

Das conversas despretensiosas ao pé da escada

De juntar os trocados para comprar um vinho barato

De brindar com copo descartável e achar um máximo

Ah saudade...

De ouvir os amigos em seus desabafos de amor,

Por amor, com amor

De ouvir você falando e pensar:

Ah! Como daríamos um casal perfeito

Ah saudade...

Das cartas trocadas

Dos poemas, das lágrimas, daquele sorriso de lado, do meu amigo poeta.

Ah saudade...

Dos nossos infinitos e débeis jogos

Das nostálgicas mas divertidíssimas corridas

Saudade do olhar, quase transparente de tão claro,

A esperar por respostas, aflito.

Saudade do cabelo a lhe cobrir os olhos

Dos dedos sujos de giz.

Ah saudade...

Do olhar perdido e sorriso franco

Da despreocupação quase infantil de minha amiga

De nossos tragos as escondidas

Ah brother! Saudade de sentar com você

Em uma calçada qualquer e dividir segredos

Ah saudade...

De me aborrecer com sua falta de seriedade

Para depois ter de me render ao seu humor

Ter pena de você e me desesperar por nada poder fazer

De ter orgulho de você, dando a volta por cima

Enganando a todas com um falso sorriso

Quase se enganando com um raso sentimento

Ah saudade....

De nossas análises e preocupações

De sua doce prepotência

De sua oratória e atuação perfeitas,

Capazes de convencer até um pedaço de pau

Saudade de seu descontrole e daquela sua cara de

“Está tudo bem...”

Saudade de você mordendo o lábio de aflição

Xingando, chorando, ou quase impávida

Impenetrável

Ah saudade...

De minha quase amiga e sua excessiva humanidade

De como tudo e todos lhe afetam

E de como sente na pele, na barriga, na cabeça.... no corpo...

Saudade de dividir aflições, do sorriso com os olhos,

Do abraço grande, das sobrancelhas arqueadas

Ah saudade...

Das visitas inesperadas

Do cumprimento suado

De falar de mulheres, suas artimanhas, nossas estratégias

Saudade do tapinha nas costas

E daquela cara de: “Fudeu!”

Saudade de dividir problemas, loucuras, sonhos

Ah saudade

Da casa quase nunca silenciosa

Do meu cd de Chico Buarque

Das reuniões

Das conversas de pai para filha

Das repreensões de irmã para irmã

Saudade até de sentir saudade

Saudade de querer ver o mundo

Porque já estou nele...

 
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